Há uma página em “defesa” dos autistas no Facebook, não lembro o nome, mas repete muito o bordão “Autismo sem Romantismo”, cujo autor repete à exaustão que “ama seu filho, não o autismo nele”. Chega a ser sofrido ter de explicar o quanto isso é errado.
Para construirmos o caminho para o entendimento da questão, precisamos antes entender o luto pelo qual pais de crianças autistas passam.
Todo pai e mãe idealiza o filho, como ele será, quais suas escolhas ou opções, quem ele será ou poderá ser como pessoa. Porém essa ideação é invariavelmente uma ilusão: nós projetamos sobre nossos psicologicamente indefesos filhos nossas próprias aspirações, nossos sonhos e desejos, e esperamos que eles sejam nada além de extensões de nós mesmos – quem nega isso só piora a situação mentindo pra si mesmo, o que alimenta esse comportamento nefasto.
No entanto a desconstrução desse ideal irreal se dá ao longo de todo o desenvolvimento da criança em adolescente e finalmente para adulto, quando se rebela contra a dependência psicológica em busca de uma identidade própria.
No caso de crianças autistas, os pais não têm todo o crescimento da criança para digerir o fato de que o filho ideal não existe, e que há um ser humano único e singular diante deles.
Assim que os pais recebem o diagnóstico (ou ainda o prognóstico) de autismo, o filho ideal “morre” imediatamente, pois o que o psicopediatra está dizendo é que o filho deles é incomum, único e singular, e jamais alcançará as aspirações dos pais, sendo uma criatura totalmente divergente.
Repetindo, isso mata o filho ideal, deixando os pais com aquele ser único que eles teriam um vida para perceber – e de repente isso lhes cai no colo.
Agora resta o Autismo.
O fato é que o Autismo e a criança são indissociáveis: o que chamamos de “autismo” é parte da criança – mais que isso, parte determinante! Significa que a criança é diferente, divergente, talvez até subversiva (oxalá).
Não existe essa coisa de autismo. Apenas damos nomes limitantes àquilo que não entendemos, que foge à miserável caixa da normalidade.
Então, quando alguém diz “amo meu filho, não o autismo dele/nele”, não percebe o que está dizendo, mas “meu filho” é na verdade aquele ideal morto pelo qual está de luto, enquanto “autismo dele/nele” é o filho de fato, aquele que se apresenta.
Daí a tradução dessa afirmação medonha, descartadas as máscaras, é:
— Amo o filho que idealizei, não o que tenho.
Por isso jamais diga isso, e, se você pensa assim, recomendo rever seus conceitos e procurar um psicólogo.
Talvez ser autista me ajude com isso, mas eu posso dizer sem reservas: amo meu filho integralmente, incluindo o que as pessoas rotulam de autismo.