Já uns três ou quatro amigos meus vieram me questionar, preocupados com a relação entre vacinação e autismo, se as vacinas estariam causando uma suposta epidemia de autismo. Senti-me na obrigação de esclarecer o assunto.
Primeiro, antes de qualquer informação, gostaria que vocês se perguntassem: vocês preferem um filho autista, ou um filho morto?
Porque é isso que acontece com a maioria das crianças que não são vacinas. A suspensão das vacinas promove a volta de doenças mortais que estavam erradicadas, como o sarampo, caxumba e coqueluche.
[update 2018-01-12]
Corrigindo uma informação errada no parágrafo acima: sarampo, caxumba e coqueluche não estavam erradicadas, apenas controladas e quase sem casos nos países ricos.
Erradicada está a varíola (por ora).
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Então, mesmo que fosse verdade, eu peço que todos coloquem a mão na consciência e pesem o que é “pior”.
Dada esta introdução, vamos ao assunto de fato.
O caso que deu origem a este surto de teoria da conspiração antivacinas ocorreu em 1998, quando Andrew Wakefield publicou uma pesquisa preliminar na revista The Lancet descrevendo (apenas) 12 crianças que desenvolveram quadro de comportamentos autistas e inflamação intestinal.
Wakefield disse que a característica em comum entre essas crianças seria vestígio de vírus de sarampo no corpo (nada a ver com metais pesados). Então ele levantou a hipótese de haver um vínculo causal entre o quadro e a vacina tríplice viral, que havia sido aplicada a 11 das crianças estudadas.
Em 2004 o US-IoM concluiu que não havia provas de vínculo causal. Neste mesmo ano, o assistente de Wakefield revelou que o pesquisador havia mentido em relação aos dados, e que não havia vestígio de vírus do sarampo nas crianças afetadas. No ano seguinte Wakefield veio a público admitir que havia mentido para “não prejudicar o estudo”.
Em 2010 o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido declarou Wakefield inapto para o exercício da profissão, classificando seu comportamento como irresponsável e antiético.
E por que diabos Wakefield fez isso? Em 1998 ele havia entrado com um pedido de patente de uma vacina concorrente da tríplice viral, e queria causar medo e pânico para derrubar a concorrência e LUCRAR, a famosa prática criminosa do FUD.
E até hoje, vinte anos depois, ainda há quem se deixe ludibriar por essa estratégia de marketing baseada em causar desconfiança e pânico com mentiras.
Por último, vamos falar dessa “epidemia” de autismo.
Quando Leo Kanner e Hans Asperger começaram seus estudos sobre autismo em 1943, a relação de pessoas diagnosticadas com autismo foi dada como 1:160 (0,625%). Com o avanço dos conhecimentos sobre neurodiversidade, os especialistas perceberam que muitas pessoas estavam sendo subdiagnosticadas, ou seja, havia muito mais casos de autismo não registrados.
Numa análise melhor, ali por volta da década de ’80, reajustaram a proporção para 1:100 (1%).
Mas o conhecimento sobre o assunto continuou evoluindo, e muitos outros casos que eram deixados sem tratamento por falta de identificação passaram a ser reconhecidos, corrigindo a relação para 1:68 (1,47%) a partir do DSM-5.
A expectativa é que, com o lançamento da CID-11 e mais avanços na área, a relação suba para 1:30 (3,33%) até o final deste ano.
Perceba que em momento algum eu disse que a relação aumentou de fato. Ela foi simplesmente reajustada, ou corrigida, de acordo com a evolução da informação e do conhecimento.
O problema é que, manipulando as palavras e até valendo-se de informações falsas, pessoas inescrupulosas dão a entender que há um crescente aumento nos casos dessa “doença”, uma “epidemia”. Até mesmo organizações ditas sérias de imprensa prestam esse desserviço à sociedade.
Sempre FUD, desinformação e pânico usados para manipular a opinião pública.
Mais informações na BBC.